Vinicius de Moraes III

Soneto da separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.


De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.


Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.



A mulher que passa


Meu Deus, eu quero a mulher que passa
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!
Oh! como és linda, mulher que passas
Que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!


Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pelos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.


Meu Deus, eu quero a mulher que passa!


Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!
Por que me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me concontrava se te perdias?


Por que não voltas, mulher que passas?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?


Meu Deus, eu quero a mulher que passa!
Eu quero-a agora, sem mais demora
A minha amada mulher que passa!


Que fica e passa, que pacífica
Que é tanto pura como devassa
Que bóia leve como a cortiça
E tem raízes como a fumaça.


Soneto da fidelidade


De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.


Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.


E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama


Eu possa (me) dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.


Marinha


Na praia de coisas brancas
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas-vivas.


Aos mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.


E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!



Marinha


Na praia de coisas brancas
Abrem-se às ondas cativas
Conchas brancas, coxas brancas
Águas-vivas.


Aos mergulhares do bando
Afloram perspectivas
Redondas, se aglutinando
Volitivas.


E as ondas de pontas roxas
Vão e vêm, verdes e esquivas
Vagabundas, como frouxas
Entre vivas!



Balada do enterrado vivo


Na mais medonha das trevas
Acabei de despertar
Soterrado sob um túmulo.
De nada chego a lembrar
Sinto meu corpo pesar
Como se fosse de chumbo.
Não posso me levantar
Debalde tentei clamar
Aos habitantes do mundo.
Tenho um minuto de vida
Em breve estará perdida
Quando eu quiser respirar.
Meu caixão me prende os braços.
Enorme, a tampa fechada
Roça-me quase a cabeça.
Se ao menos a escuridão
Não estivesse tão espessa!
Se eu conseguisse fincar
Os joelhos nessa tampa
E os sete palmos de terra
Do fundo à campa rasgar!
Se um som eu chegasse a ouvir
No oco deste caixão
Que não fosse esse soturno
Bater do meu coração!
Se eu conseguisse esticar
Os braços num repelão
Inda rasgassem-me a carne
Os ossos que restarão!
Se eu pudesse me virar
As omoplatas romper
Na fúria de uma evasão
Ou se eu pudesse sorrir
Ou de ódio me estrangular
E de outra morte morrer!


Mas só me resta esperar
Suster a respiração
Sentindo o sangue subir-me
Como a lava de um vulcão
Enquanto a terra me esmaga
O caixão me oprime os membros
A gravata me asfixia
E um lenço me cerra os dentes!
Não há como me mover
E este lenço desatar
Não há como desmanchar
O laço que os pés me prende!
Bate, bate, mão aflita
No fundo deste caixão
Marca a angústia dos segundos
Que sem ar se extinguirão!
Lutai, pés espavoridos
Presos num nó de cordão
Que acima, os homens passando
Não ouvem vossa aflição!
Raspa, cara enlouquecida
Contra a lenha da prisão
Pesando sobre teus olhos
Há sete palmos de chão!
Corre mente desvairada
Sem consolo e sem perdão
Que nem a prece te ocorre
À louca imaginação!
Busca o ar que se te finda
Na caverna do pulmão
O pouco que tens ainda
Te há de erguer na convulsão
Que romperá teu sepulcro
E os sete palmos de chão:
Não te restassem por cima
Setecentos de amplidão!

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