Cisne Negro e O Lago dos Cisnes



Era uma vez… Se o leitor quiser fundo musical, ouça “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky.

Odete era uma linda jovem que vivia alegre no campo com sua família. Um dia, um feiticeiro que morava na região encantou-a na forma de um cisne branco. Assim sendo, durante o dia, ela era a rainha dos cisnes e à noite voltava a ser a bela moça.

Como podia a mãe de Odete aceitar tamanha desventura? Desolada, sem saber o que fazer, ela caiu num choro demorado. E chorou, chorou… Chorou dias e noites. Derramou tantas lágrimas que deram para formar um lago cristalino num vale que havia nas proximidades da casa. Durante o dia, quem passasse pela região avistava, à beira do recente lago, um belo cisne coroado, quem sabe o mais belo cisne que já havia visto.

Com o tempo, outros cisnes foram chegando por ali. Eram moças da redondeza também encantadas pelo feiticeiro. Os que conheciam o feiticeiro contavam que ele tinha uma filha de nome Odile e que, segundo ele dizia, em breve, ela se casaria com aquele que seria o rei daquele país. Presumia o bruxo que, enfeitiçando as moças daquela terra, o príncipe acabaria se encontrando com sua filha.

Chegou o dia do aniversário de 21 anos do príncipe e, conforme estava determinado desde que ele nascera, durante a festa de comemoração, ele escolheria entre as convidadas aquela que seria sua esposa. Entediado com tal obrigação, o príncipe saiu para caçar com seus amigos. Havia ganhado um novo conjunto de arco e flechas e queria experimentá-los. Cavalgando pelo campo, os caçadores acabaram se deparando com o recente lago e o príncipe logo foi atraído pela elegância dos cisnes que estavam lá a mergulhar. Num instante, ele viu-se atraído por um cisne que usava uma coroa na cabeça.

Impressionado com a beleza do lugar, o príncipe decidiu parar por ali para descansar. Acomodou-se e pediu aos amigos que não atirassem suas flechas. Em pouco tempo, o sol se põe e de repente o lago dos cisnes fica rodeado de belas moças vestidas de branco. Então, uma jovem de rara beleza se dirige ao príncipe e lhe conta sobre o encantamento. De dia, ela e as companheiras eram cisnes e de noite voltavam a ser as moças que eram antes. E que havia apenas uma forma de ela se tornar mulher para sempre. Para isso, ela teria que se casar com um moço que lhe fosse fiel para sempre.

Enquanto conversava com a moça, o príncipe se viu perdidamente apaixonado. A noite foi passando e quando chegava a hora de o sol iluminar o dia, o príncipe agiu ligeiro. Disse-lhe que ela era a sua escolhida convidou-a para festa que seria dada no castelo na noite seguinte.

O feiticeiro, ah, o feiticeiro. Aquele era o seu tão esperado dia. Não seria aquele cisne coroado que haveria de lhe atrapalhar. Seguro de que restavam poucas moças casadouras naquele reino, usou de sua magia e fez com que a filha Odile se tornasse semelhante a Odete. Comprou-lhe um belo traje a rigor e conduziu-a para a festa com a obrigação de conquistar o príncipe.

Naquela noite, o castelo recebeu a mais bela decoração de todos os tempos. Acompanhadas de suas famílias, as candidatas a princesa chegavam, cada uma mais suntuosa do que a outra. De braços dados com o pai feiticeiro vestido para uma cerimônia real, chegou Odile, toda faceira, certa de que aquele era o seu esperado dia. O príncipe, que havia visto a amada apenas uma vez e sob o clarão da lua, acreditou que aquela fosse a moça cisne. Dirigiu-se a ela e lhe fez juras de amor eterno. Nessa hora chegou Odete. Ao vê-lo sorridente a dançar, sente-se traída. Como podia ser? Seu encanto nunca seria quebrado… Num momento, o príncipe percebe o olhar desolado da moça que acabava de chegar e sente que havia jurado amor eterno a uma pessoa errada.

Ao ver a troca de olhares, o feiticeiro pressente que o maior negócio de sua vida estava prestes a se arruinar. Então, aproveita de sua força para fazer com que Odete desapareça do salão voando pela janela. O príncipe, ao ver a amada naquele voo, corre até a janela e se atira atrás dela. Pede-lhe perdão e, juntos, caminham até ao lago dos cisnes.À beira do lago, o príncipe lhe faz juras de amor eterno. No entanto, ela sabendo que estava condenada a ser cisne para sempre por causa do encantamento, em desespero, pula dentro do lago. O príncipe a segue, pois nada mais lhe importava. Se o amor não podia ser realizado, ele morreria junto com a amada.

Dizem que, neste momento, o feiticeiro perdeu todo o seu poder e todas as companheiras do lago se tornaram livres do feitiço. Elas contaram que, ao amanhecer, meio a uma suave neblina, viram os espíritos dos apaixonados sobrevoando o lago.

Caro leitor, este é um conto de fadas alemão, dizem, atribuído a E. T. A. Hoffmann. Casos de amor impossível narrados pela literatura passam a fazer parte do imaginário popular, não é mesmo? Acabam inspirando as mais diversas manifestações de arte. O conto “O Lago dos Cisnes” serviu de inspiração para a música de Tchaikovsky (Rússia, 1840-1893) que a compôs para um balé, em 1876, por encomenda do “Teatro Bolshoi de Moscou” e que foi representado no ano seguinte sem fazer sucesso. Pelos registros da mídia, a companhia de dança escolhida não conseguiu interpretar bem a peça. A não ser a música, bailarinos, coreografia, cenografia e orquestra, novidade implantada no balé por Tchaikovsky, nada agradou ao público. Assim, a peça ficou de molho por quase 20 anos. Em 1895, depois da morte de Tchaikovsky, com a coreografia de Marius Petipa e Lev Ivanov e sob a supervisão de um dos irmãos do compositor, uma nova montagem foi encenada no Teatro Marinsky, em São Petersburgo e fez enorme sucesso. A partir desta data, “O Lago dos Cisnes” tem sido interpretado no mundo inteiro sob as mais diversas concepções de diferentes diretores. Ao longo dos tempos, os enamorados têm seus destinos diversos do que ocorre na peça original. Sendo que em algumas delas os enamorados são destinados a serem “felizes para sempre”. Segundo conta-se, Odile, a filha do feiticeiro, não teve a forma de um cisne negro na concepção de Tchaikovsky e somente surgiu nas apresentações de “O Lago dos Cisnes” na década de 40.

“Cisne Negro”, filme de Darren Aronofsky , 2010, traz a metalinguagem de uma nova versão de “O Lago dos Cisnes”, cujo diretor-personagem, Thomas, pretende que seja distinta da do Bolshoi. No desenrolar desse filme, dores físicas e psicológicas das pessoas envolvidas com a apresentação e principalmente da personagem Nina, bailarina que se prepara para dançar o Cisne Branco e o Cisne Negro, vão sendo mostradas ao público ao som da envolvente música de Tchaikovsky. Narrativa e música vão crescendo, crescendo até chegarem a um final esplendoroso.

Entendi o filme como uma obra de arte. Mas, não deixa de ser uma história de terror. (Lembrei-me de Hitchcock, o grande diretor-artista do cinema de terror.) O espectador, que costuma ver o balé com toda a sua leveza e exuberância, ao acompanhar as situações por que passam as pessoas que fazem parte de uma companhia de dança na preparação de um grande espetáculo, dá de cara com os mais diversos sentimentos humanos: medo do fracasso, inveja, ciúme, vingança, decepção, desespero, carinho, melancolia, tensão, alívio, êxtase. Quem o ver, verá. Sem dizer que terá a melodia de “O Lago dos Cisnes” recorrente em sua memória nos dias seguintes. Difícil esquecer.

Curiosidade a respeito de Tchaikovsky e o amor:

Nadejda von Meck, uma milionária russa apaixonada por música, tornou-se protetora de Tchaikovsky e trocava cartas com ele, com a condição de que os dois jamais deveriam se encontrar, comunicando-se somente por cartas. E em uma de suas cartas, Tchaikovsky pinta seu auto-retrato, no que se refere ao amor: “Você me pergunta se eu conheci outro amor que não o amor platônico. Sim e não. Se a questão me tivesse sido colocada de outra forma: ‘Você experimentou a felicidade de um amor completo?’, minha resposta seria: não, não e não! Mas pergunte-me se sou capaz de compreender a força imensa do amor, e eu lhe direi: sim, sim e sim!”.

Uma belíssima interpretação de “O lago dos cisnes”: Great Chinese State Circus - Swan Lake

http://www.youtube.com/watch?v=4sMc-p19FIk

Trailer de “Cisne Negro” – Black Swan:

http://www.youtube.com/watch?v=5jaI1XOB-bs

Créditos:

Terezinha Pereira

http://www.almacarioca.net

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